A rede social X, de Elon Musk, começou a usar dados de seus usuários para treinar o Grok, seu chatbot de inteligência artificial, criado para concorrer com o ChatGPT, da Open AI, e que fica integrado à plataforma. O uso está sendo feito sem consentimento prévio dos internautas.
Na sexta-feira, os usuários descobriram que seus posts, bem como suas interações com o Grok — a ferramenta é acessível para assinantes premium do X — estavam sendo usados automaticamente para “treinamento e ajuste fino” dos sistemas da xAI, a empresa de inteligência artificial de Musk, sem autorização explícita para o compartilhamento de dados, o que, na avaliação de especialistas, viola a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Segundo a LGPD, o usuário deve ter acesso de forma “clara, adequada e ostensiva” às informações sobre o tratamento de seus dados. Rafael Zanatta, diretor da Data Privacy Brasil, explica que, diante desse princípio, o X deveria ter comunicado que passaria a utilizar dados de seus usuários para treinar seu chatbot, uma vez que há modificação do contexto original de uso da plataforma.
— Quem usa o X há um tempo espera que seus dados sejam usados para aprimorar o serviço ou para publicidade. Mas, quando o X passa a acoplar outras funções e a usar esses dados para esses fins, como é o caso do Grock, há uma mudança do contexto inicial, rompendo com a expectativa legítima de privacidade.
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A opção para barrar o uso dos posts para o treino de IA só pode ser desabilitada na versão da plataforma para navegação em computador e não para o aplicativo do celular, o que também não garante a isonomia de direitos de privacidade, de acordo com analistas.
— Se há barreiras significativas para o exercício dos direitos de oposição entre usuários de diferentes classes sociais, que usam dispositivos diferentes, há um problema de isonomia aos direitos dos titulares, o que é uma violação ao direito fundamental de proteção de dados e aos princípios constitucionais de isonomia e igualdade — diz Zanatta.
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Na sexta-feira, o X escreveu na sua conta de segurança que “todos os usuários têm a capacidade de controlar se suas postagens públicas podem ser usadas para treinar o Grok” e que “esta configuração está disponível na plataforma da web e em breve será lançada no celular”.
O Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) criticou a mudança no X. “Concretamente, vemos um design malicioso: há uma pré-seleção da opção de que os consumidores aceitariam o uso de seus dados para fins de tratamento de IA. Esse consentimento não deveria ser pressuposto e, sim, explícito”, disse em nota.
Segundo o jornal britânico Financial Times, a Comissão de Proteção de Dados da Irlanda, o regulador responsável por manter as empresas de internet sob a lei de privacidade da União Europeia está “buscando clareza” sobre a alteração. No Brasil, isso fica a cargo da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Procurada, ela não se manifestou.
Uso pela Meta foi suspenso
Em junho, a Meta também passou a usar dados públicos compartilhados por brasileiros no Instagram e no Facebook para treinar sua ferramenta de IA sem autorização. O governo, por meio da ANPD, determinou que a empresa suspenda essa prática no país. Com isso, a Meta deverá interromper as normas para a internet brasileira, sob pena de multa diária de R$ 50 mil, informou o colunista Lauro Jardim em seu blog no GLOBO.
A autoridade brasileira investiga possíveis violações da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD ), como o processamento de informações pessoais de crianças sem os devidos cuidados.
Na ocasião, a big tech afirmou, em nota que, a decisão do governo brasileiro era um “retrocesso” e decidiu atrasar “a chegada de benefícios da IA para as pessoas no Brasil”. A princípio, a ferramenta iria começar a chegar no Brasil, gradualmente, em julho.
Na última terça-feira, a Meta anunciou a expansão de sua assistente de inteligência artificial para redes sociais em 22 países, incluindo Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru, mas deixou o Brasil de fora. De acordo com a big tech, “incertezas regulatórias locais” adiaram o lançamento no mercado brasileiro.
A previsão anterior da empresa era de que o robô, chamado de IA da Meta, começasse a rodar este mês no Brasil. Os planos foram revistos depois de a ANPD proibir que a empresa use informações de brasileiros para treinar ferramentas de inteligência artificial.
Em comunicado em seu site, a Meta disse que vai continuar trabalhando com “as autoridades locais competentes” para disponibilizar o sistema no Brasil.
Órgão deve tomar decisão semelhante
Para Zanatta, a tendência é que o órgão tome decisão semelhante no caso do X. Caso a rede social de Musk argumente que a base legal de tratamento de dados pessoais foi o legítimo interesse, uma das hipóteses trazidas pela LGPD que autoriza o tratamento de dados pessoais quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiros, o especialista diz que a ANPD pode fazer algumas avaliações.
— A ANPD pode avaliar, à luz do precedente firmado na cautelar contra a Meta, se há mudanças significativas nas finalidades originais, violação das legítimas expectativas de privacidade dos titulares e se há barreiras significativas ao exercício do direito de oposição, previsto no art. 18 da LGPD.
O GLOBO procurou o X, que respondeu com a mensagem “Busy now, please check back later” (Ocupado agora, volte mais tarde)
Confira abaixo o passo a passo para bloquear o compartilhamento de dados para treinar IA generativa no X:
- Acessar a rede social pelo navegador do computador
- Clicar no ícone de reticências (“…”) no canto esquerdo da tela
- Acessar os campos “Configurações e Privacidade”
- Ir à aba “Privacidade e segurança”
- Depois, ir até o “Grok”, na seção “Compartilhamento e personalização de dados”
- É preciso, então, clicar na caixa de seleção e desmarcar o botão azul para desabilitar a opção que permite o compartilhamento de posts e dados.