A Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) da Venezuela anunciou nesta sexta-feira o fechamento das fronteiras para o deslocamento de pessoas e veículos. A medida, segundo o comunicado, ocorre por ocasião das eleições presidenciais de domingo. Após o anúncio, o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, denunciou que um avião que transportava ex-presidentes não foi autorizado a decolar no Aeroporto Internacional de Tocumen para acompanhar o processo eleitoral venezuelano. Também detiveram uma delegação de 10 membros do Partido Popular (PP) espanhol no aeroporto de Caracas, segundo o líder da sigla, Alberto Núñez Feijóo.
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Segundo publicado pelo El País, na aeronave estavam a ex-presidente do Panamá Mireya Moscoso (1999-2004) e o ex-presidente do México Vicente Fox (2000-2006), além de outros antigos chefes de Estado. A medida ocorre em meio a preocupação do governo do Brasil e de outros países da região com a condução do processo eleitoral na Venezuela – e após a administração do líder venezuelano, Nicolás Maduro, impedir a participação de diversos candidatos da oposição no pleito.
Após a denúncia do presidente panamenho, o ministro das Relações Exteriores do Panamá, Javier Martínez Acha, disse que convocou a missão diplomática da Venezuela no país para explicar por que as autoridades venezuelanas não permitiram a decolagem do avião. Em entrevista coletiva, o chanceler afirmou que “o governo da Venezuela bloqueou o espaço aéreo de seu país para a empresa Copa Airlines”.
— O governo da Venezuela reteve um avião da Copa que fazia a rota Caracas-Panamá, e também não deixou decolar um voo que fazia a rota Panamá-Caracas devido a um incidente com passageiros destacados. A República do Panamá respeita os processos democráticos internos da Venezuela, mas não pode permitir que aviões de sua companhia aérea de bandeira com panamenhos a bordo sejam retidos por questões políticas alheias ao Panamá — disse Martínez Acha.
Pouco depois, Feijóo denunciou no X sobre a delegação de seu partido detida no aeroporto de Caracas. “Exijo a sua libertação imediata e que o Governo da Espanha tome as medidas necessárias para esse fim”, escreveu Feijóo.
A ex-presidenta do Chile e ex-alta comissária de direitos humanos da ONU, Michelle Bachelet, publicou uma carta aberta sobre as eleições venezuelanas, apelando às autoridades para garantirem o respeito aos direitos humanos de todos os cidadãos, independentemente de suas afiliações políticas. “As eleições presidenciais que serão realizadas neste domingo representam uma oportunidade para que a Venezuela avance em direção a um futuro mais estável e democrático”, escreveu em comunicado.
Na quinta-feira da semana passada, uma resolução emitida pelos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores venezuelano indicava o estabelecimento de um “controle rigoroso” do “deslocamento fronteiriço de pessoas, tanto por via terrestre quanto pelas vias aérea e marítima, assim como da passagem de pessoas”. O documento, no entanto, não fazia referência a nenhum tipo de fechamento.
De acordo com Domingo Hernández Lárez, o comandante estratégico operacional da FANB, a medida começou a ser aplicada às 00h01 no horário local (01h01 em Brasília) e se estenderá até 8h da próxima segunda-feira – ainda que a resolução conjunta dos ministérios tenha indicado que seria até 23h59 do dia 29. Segundo Hernández, a medida busca “resguardar a inviolabilidade das fronteiras e prevenir atividades de pessoas que possam representar ameaças à segurança” do país.
“Os órgãos de segurança e apoio têm o dever de implementar as medidas especiais que proporcionem a devida proteção às cidadãs e cidadãos para garantir seu direito de participar na eleição presidencial no próximo dia 28 de julho”, escreveu o comandante.
O fechamento das fronteiras também ocorre pouco mais de uma semana após o Maduro afirmar, num comício de campanha, que o país pode enfrentar um “banho de sangue” e uma “guerra civil” caso ele não seja reeleito. No mesmo discurso, o mandatário convidou seus eleitores a festejar nas ruas no dia 28 de julho, quando prevê “resultados irreversíveis” a seu favor, embora as pesquisas apontem o diplomata Edmundo González Urrutia, candidato de consenso da oposição para enfrentar Maduro nas eleições presidenciais, como favorito.
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Nesta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse à imprensa internacional que o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim, viajará à Venezuela para acompanhar o pleito. Lula tem defendido o respeito pelo que foi acordado nos Acordos de Barbados, documento assinado no país que garante a plena participação da oposição e resultados reconhecidos por todos.
O petista também disse ter ficado assustado com as advertências do líder chavista Nicolás Maduro sobre um possível “banho de sangue” na Venezuela em caso de derrota nas eleições marcadas para o próximo domingo. No mesmo dia, a líder oposicionista María Corina Machado, que foi impedida de concorrer, denunciou ter sido alvo de um plano de atentado — e afirmou que, horas antes, seu funcionário de segurança havia sido “sequestrado”.
— Fiquei assustado com as declarações de Maduro de que se perder as eleições haverá um banho de sangue. Quem perde as eleições toma banho de votos, não de sangue — disse o presidente brasileiro em entrevista coletiva em Brasília. — Maduro precisa aprender que quando se ganha, se fica; e quando se perde, se vai e se prepara para outras eleições.
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Embora Lula tenha defendido a presença de observadores internacionais durante o pleito venezuelano —e já tenha expressado “preocupação” com o veto à opositora María Corina —, o silêncio do governo brasileiro sobre as declarações de Maduro causou incômodo na região. Enquanto Argentina, Costa Rica, Guatemala, Paraguai e Uruguai exigiram conjuntamente o “fim do assédio, perseguição e repressão” a opositores, a administração brasileira minimizou o ocorrido no país vizinho ao afirmar que a fala poderia ser “apenas retórica” de Maduro.
Segundo interlocutores da área diplomática ouvidos pelo GLOBO, o Brasil só vai atuar na questão se for chamado por representantes de Maduro e da oposição, “dentro do espírito de Barbados”. Mediado pela Noruega e com ajuda de vários países (como Brasil, Colômbia e Estados Unidos), o pacto assinado em outubro passado prevê eleições livres, justas, transparentes e aceitas pelos dois lados em disputa. Um diplomata afirmou que a eleição venezuelana é um assunto local, e que, para evitar a interpretação de interferência do governo brasileiro em assuntos internos, o Brasil precisa ser chamado para poder se manifestar.
Eleições ‘incertas’
Na última quinta-feira, os ministros das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, se reuniram para discutir as eleições da Venezuela. Ambos avaliaram que não dá para antecipar um ganhador – seja o atual mandatário, o chavista Nicolás Maduro, que busca se reeleger para um terceiro mandato, ou o diplomata Edmundo González, que entrou na disputa como substituto da líder opositora, María Corina Machado, impedida de concorrer.
Maduro provocou mal-estar com o Brasil ao afirmar, num de seus últimos compromissos de campanha, que o sistema eleitoral brasileiro não é auditável – e que o processo venezuelano é o “melhor do mundo”. Embora a menção às eleições no Brasil reproduza uma narrativa falsa, amplamente rebatida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a fala de Maduro sobre o sistema venezuelano é endossada por especialistas, que afirmam que o processo da Venezuela, repleto de controles e auditorias, é a principal esperança de uma disputa justa.
O sistema de votação venezuelano foi aperfeiçoado a partir do começo dos anos 2000, no início do governo do então presidente Hugo Chávez. À época, o que motivou a revisão do sistema foram temores de que a oposição tentasse fraudar o processo eleitoral para voltar ao poder. O resultado foi um sistema com uma série de medidas de segurança, que ganhou credibilidade entre observadores e especialistas, que dizem que pouco pode ser feito para mudar o resultado depositado nas urnas.
O mesmo raciocínio, no entanto, não se aplica ao antes e depois da votação. Desde a inabilitação de candidatos oposicionistas, que quase ficaram sem representação e tiveram pouco tempo para fazer campanha, até estratégias de intimidação contra apoiadores, simpatizantes e até mesmo contra prestadores de serviço, o regime chavista dificultou o caminho para que outras opções se apresentassem ao público. Também dificultou o acesso de auditores internacionais e de registro de eleitores, sobretudo em públicos considerados hostis ao governo.
Nesta sexta-feira, a ONG Fórum Penal, dedicada à defesa de presos políticos, afirmou que autoridades venezuelanas detiveram 135 pessoas ligadas à campanha do candidato da oposição González Urrutia. Até o momento, o Fórum Penal conta 305 “prisioneiros políticos” na Venezuela, dos quais 30 são mulheres. (Com AFP)