Em mais uma semana de pressão sobre o presidente dos EUA, Joe Biden, para que desista da reeleição, um episódio foi emblemático: na quarta-feira, o ator e membro do Partido Democrata George Clooney publicou um artigo no New York Times, dizendo que “não vamos vencer em novembro com esse presidente”. Segundo a imprensa americana, um texto cuja publicação teve o aval do ex-presidente Barack Obama, agora acusado de orquestrar críticas a Biden.
Segundo o site Politico, Clooney se encontrou com Obama em um evento de arrecadação de fundos em Los Angeles, citado pelo ator no artigo e apontado como um exemplo de que Biden não estaria em plenas condições de assumir mais um mandato ou ganhar a eleição. O site não revelou o que eles conversaram no dia, mas destacou que Clooney entrou em contato com Obama antes da publicação do texto — o ex-presidente não endossou as palavras do ator, tampouco sugeriu alterações, mas também não pediu que não o publicasse, segundo o Politico.
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Obama foi uma das vozes a sair em defesa de Biden depois do desastroso desempenho no debate com Donald Trump, no mês passado. Em publicação no X, no dia 28 de junho, disse que “noites ruins de debates acontecem”, exaltando o histórico de ideias de Biden e sua trajetória política, completando que “a noite passada não mudou isso”.
Mesmo antes da revelação do diálogo com Clooney, informações de bastidores apontavam que o ex-presidente não expressa privadamente o mesmo entusiasmo público com a reeleição de seu vice. Segundo a rede CNN, ele tem atendido a muitas ligações de políticos e doadores preocupados com os rumos da campanha e concordado com alguns dos questionamentos, embora o tom das conversas seja neutro. Em junho, a revista Rolling Stone afirmou que Obama foi procurado por vários democratas depois do debate, com pedidos para que tentasse convencer Biden a desistir imediatamente.
“Talvez Obama nos salve”, disse uma mensagem escrita por um político democrata obtida pela revista. O ex-presidente tem reiterado que estará ao lado do candidato do partido, seja quem for.
Mas na quinta-feira, Joe Scarborough, ex-deputado e apresentador na rede MSNBC, disse que “a campanha de Biden e muitos integrantes do Partido Democrata acreditam que Barack Obama está trabalhando discretamente nos bastidores para orquestrar” a onda de críticas.
Alguns dos mais ferozes ataques têm vindo de ex-assessores de Obama. David Axelrod, estrategista político de Obama, disse logo depois do fim do debate que “haverá discussões se ele deve continuar”, e na semana passada afirmou que “o presidente deve considerar o que é a coisa certa a se fazer”. Tommy Vietor, ex-porta-voz de Obama, disse que as aparições públicas de Biden são “ruins, e por vezes muito difíceis de se assistir”. Jon Favreau, autor de discursos de Obama, deu razão aos argumentos de George Clooney.
— Eu estava lá. Clooney estava correto, e todas as pessoas com quem conversei no evento de arrecadação pensaram o mesmo, com a exceção daquelas que trabalhavam para Biden, ou ao menos elas não queriam dizer isso — disse Favreau, que estava no evento citado por Clooney, à CNN.
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Obama tem motivos pessoais para não se declarar contra a releição: em 2015, quando o então vice-presidente Joe Biden se lançou em uma pré-candidatura à Casa Branca, Obama não teria, em palavras do próprio Biden, o encorajado o suficiente para seguir na disputa, abandonada antes do início das primárias do ano seguinte. Uma nova pressão pela desistência poderia ser o último prego no caixão dessa relação longa e complexa, e até produzir o efeito inverso.
— Biden diria “bem, senhor presidente, você já usou essa ficha em 2015, e ela nos deu Donald Trump” — especulou à CNN um assessor de Biden na campanha presidencial de 2020. — Acho que o fortaleceria ainda mais.
Outro peso pesado democrata que explicitou questões sobre Biden foi a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi. Na quarta-feira, à MSNBC, ela afirmou que “cabe ao presidente [Biden] decidir se vai concorrer”, que “o tempo está ficando mais curto” e “as pessoas querem que ele tome essa decisão” — Biden tem reiterado que vai “até o fim” na campanha, e que “só Deus Todo Poderoso” pode tirá-lo das cédulas em novembro.
As declarações, por mais que Pelosi tenha negado, foram encaradas como um “passe livre” para que deputados, senadores e figuras influentes opinassem publicamente. E as críticas vieram em peso.
Até o momento, 19 deputados e um senador pediram que Biden desista da campanha — uma delas, Marie Gluesenkamp Perez, deputada pelo estado de Washington, chegou a defender que ele renuncie ao cargo, citando preocupações com sua saúde e sua capacidade de continuar liderando o país.
Em uma reunião da bancada democrata hispânica na Câmara, com a participação de Biden, destinada a acalmar os ânimos, Perez e Gabe Vazquez não puderam fazer comentários, afirmou o site NOTUS, citando participantes da conversa. No mesmo encontro, Mike Levin, outro deputado a pedir a desistencia de Biden, disse que “era hora de outra pessoa liderar o partido”.
— Essa é uma preocupação legítima das pessoas, e é por isso que acho importante que eu saia e mostre às pessoas tudo, desde como posso me mover bem, o quanto eu seu e que ainda estou em boa forma — disse o presidente, pouco antes da reunião ser interrompida.