Em discurso ao final da cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Washington, o presidente americano, Joe Biden, apresentou o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, que estava ao seu lado, como o mandatário russo, Vladimir Putin. Com todos os olhares voltados para o democrata, a gafe desta quinta-feira acontece em meio à crescente pressão interna para que abandone sua candidatura contra o ex-presidente Donald Trump após o desempenho desastroso no debate de 27 de junho.
— E agora gostaria de passar a palavra ao presidente da Ucrânia, que é tão corajoso quanto determinado. Senhoras e senhores, presidente Putin — anunciou Biden, retornando ao púlpito para se corrigir quando a plateia já havia começado a bater palmas. — Presidente Putin? Temos de derrotar o presidente Putin. Presidente Zelensky! Estou tão concentrado em derrotar Putin… temos de nos preocupar com isso.
Biden chama Zelensky de Putin em evento sobre Ucrânia durante cúpula da Otan
Em um discurso breve, mas vacilante, Biden elencou uma série de medidas que já estão sendo ou ainda serão tomadas pela aliança acidental para apoiar a Ucrânia, como o envio de caças F-16, pleiteados desde o início do conflito por Zelensky, e a eventual integração do país na aliança — um dos motivos que levaram à guerra em fevereiro de 2022.
— Em breve, continuaremos a apoiar a Ucrânia com armas, munições e treinamento que eles precisam para repelir as forças russas. No médio prazo, ajudaremos a construir uma força que tenha capacidade para proteger a Ucrânia e deter uma agressão futura — disse Biden, gaguejando em alguns momentos. — Estamos construindo uma parede para a Otan, para a Ucrânia. Um caminho que leve a uma participação eventual [da Ucrânia], enquanto eles continuam implementando importantes reformas domésticas.
Apesar das vitórias de Kiev na cúpula, a escorregada do democrata na hora de apresentar o presidente ucraniano ofuscou todo o resto. Nas redes sociais, uma série de memes satirizando o momento surgiram quase imediatamente.
Entenda a pressão interna
Não poderia haver pior semana para Biden cometer uma gafe. Do ator George Clooney, importante arrecadador de fundos para democratas, até o âncora George Stephanopoulos, que entrevistou Biden dias após o confronto contra Trump, o escrutínio à campanha do presidente americano ganhou força nos últimos dias, embora ele tenha reforçado reiteradamente que vai seguir na corrida eleitoral. Até as figuras mais imprevisíveis, como a ex-presidente da Câmara Nancy Pelosi, aliada de longa de data de Biden, se juntaram à sangria em praça pública do presidente.
Na terça-feira, enquanto Biden recebia líderes para o primeiro dia da cúpula da Otan, deputados e senadores do Partido Democrata se reuniram para discutir o seu futuro. O encontro terminou sem consenso, mas o porta-voz da sigla na Câmara, Pete Aguilar, alertou que seus colegas observariam de perto os passos do presidente esta semana, tanto os discursos na Otan quanto em compromissos de campanha.
A crise levou a vice-presidente Kamala Harris de volta aos holofotes. Depois de Trump disparar nas pesquisas após o debate, seu nome começou a surgir nos levantamentos como uma alternativa viável para enfrentar o magnata. Em ao menos três deles, Kamala apareceu virtualmente empatada com Trump — em alguns casos à frente do ex-presidente — e com melhores chances de vitória do que o atual ocupante da Casa Branca.
Política externa em jogo
Biden já havia discursado no primeiro dia da cúpula, focando em questões de política externa, como o reforço do apoio à Ucrânia por parte da aliança militar. Para o presidente americano, parte da força que ele busca mostrar internamente passa por projetar os Estados Unidos como uma potência capaz de enfrentar inimigos comuns do Ocidente, como Rússia e China — algo frequentemente explorado por Trump em suas declarações.
Ao menos no aspecto formal, a articulação mostrou uma Otan mais dura. Pela primeira vez, a aliança ocidental acusou Pequim de atuar como um “facilitador decisivo” para o esforço de guerra russo e exigiu que o país interrompa o envio de “componentes de armas” e outras tecnologias cruciais para Moscou. A denúncia foi negada pelo governo chinês, que alertou para os países não “mancharem a imagem” da China.