— Estes incidentes fazem parte de um padrão profundamente preocupante de ataques sistemáticos que prejudicam os cuidados de saúde e outras infraestruturas civis em toda a Ucrânia. E os ataques intensificaram-se desde a primavera de 2024 [no Hemisfério Norte] — afirmou Joyce Msuya, diante dos representantes dos países do Conselho. — Direcionar, de maneira intencional, ataques contra um hospital protegido é um crime de guerra, e seus autores devem ser responsabilizados.
- Reunião em Washington: Otan faz 75 anos sob a sombra da guerra na Ucrânia e a possível volta de Trump
- Brasileiro morto na Ucrânia: Quem era Murilo Lopes dos Santos, paranaense que lutava como voluntário na guerra
Na segunda-feira, várias cidades da Ucrânia foram atingidas por mísseis lançados de posições russas, afirmam as autoridades ucranianas, destruindo casas, escolas, clínicas e infraestruturas básicas, incluindo o hospital Ohmatdyt, referência em cirurgias pediátricas e no tratamento de câncer. Segundo o presidente Volodymyr Zelensky, quase 200 pessoas ficaram feridas, muitas em estado grave.
Msuya voltou a cobrar que os envolvidos na guerra, assim como toda a comunidade internacional, ajam também para garantir que pessoas em áreas de combate, como no Leste da Ucrânia, tenham acesso a cuidados médicos e alimentos
— De acordo com a lei humanitária internacional, é imperativo que um apoio humanitário imparcial seja facilitado para civis que precisem dele — disse Msuya, pedindo que governos e instituições privadas intensifiquem suas doações a agências do sistema ONU, para “garantir as operações em um ambiente cada vez mais complexo e perigoso”.
A reunião foi convocada a pedido de países como Estados Unidos e Equador, que ocupam assentos permanentes e não permanentes no Conselho de Segurança, mas não havia expectativa por uma condenação mais contundente da Rússia: Moscou tem poder de veto no órgão, e ocupa, em julho, a presidência rotativa, o que lhe dá algum poder para definir a pauta. Isso não impediu críticas agudas aos russos.
Antes do início, o embaixador da República Tcheca na ONU, Jakub Kulhanek, acusou os russos de “fazerem de tudo” para impedi-lo de discursar — o país não integra o Conselho de Segurança na atual formação. Posteriormente, a Chancelaria divulgou o texto do discurso, o qual afirma que “o espetáculo horrível de morte e destruição implacáveis causados pela agressão flagrante da Rússia atingiu um novo capítulo sombrio”.
“Não importa quais mentiras os propagandistas russos continuem a espalhar, a verdade simples permanece: a Rússia de [Vladimir] Putin [presidente da Rússia] é o agressor. O lançamento desta guerra de agressão territorial é uma escolha da Rússia. A violação grosseira da Carta da ONU e do direito internacional é escolha da Rússia. O bombardeio de escolas e hospitais é uma escolha da Rússia”, diz o texto do discurso.
Bombardeio russo atinge maior hospital infantil da Ucrânia e deixa 31 mortos
No plenário, o embaixador da Ucrânia na ONU, Sergiy Kyslutya, acusou os russos de “atacar deliberadamente” o hospital, onde muitas crianças fazem tratamentos para doenças graves.
— Ontem [segunda-feira], a Rússia mais uma vez mostrou sua repugnante versão de empatia com as crianças ao atacar o [hospital] Ohmatdyt com seu míssil de cruzeiro Kh-101 — disse o diplomata, citando a arma que Kiev afirma ter sido usada no ataque. Ele mostrou um vídeo do momento em que o projétil atinge o prédio, e imagens dos fragmentos do míssil, afirmando que uma “investigação completa” está sendo realizada.
As críticas vieram também dos EUA: a embaixadora do país na ONU, Linda Thomas-Greenfield, disse que a simples menção de um ataque a um hospital infantil “lhe causou um frio na espinha”. Ela acusou a Rússia de ignorar a segurança das crianças não apenas nos bombardeios de segunda-feira, mas desde o início do conflito, em 2022.
— O fato é que, ao redor do país, centenas de crianças foram mortas, milhares feridas e milhões deslocadas de suas casas enquanto a Rússia continua sua campanha de terror na Ucrânia — disse Thomas-Greenfield. — E também existem as crianças que a Rússia deportou ou transportou de maneira forçada, roubando dos ucranianos não apenas sua juventude, mas suas próprias identidades.
Geng Shuang, vice-embaixador da China na ONU, pediu que todos os envolvidos na guerra respeitem a lei internacional, e evitem ataques contra civis ou infraestruturas civis.
— A China está profundamente preocupada com isso e reiteramos o nosso apelo às partes em conflito para que exerçam a racionalidade e a contenção, cumpram eficazmente o direito humanitário internacional e façam o máximo para evitar vítimas civis — disse o diplomata.
Ele também defendeu que russos e ucranianos devem agir para reduzir a intensidade do conflito o quanto antes — em fevereiro, Pequim, aliada próxima de Moscou, divulgou um plano de paz com 12 pontos, incluindo um cessar-fogo imediato e o início de negociações. A proposta foi apoiada pela Rússia, mas recebida com ceticismo em Kiev e em capitais no Ocidente.
Como esperado, a Rússia usou o plenário para contestar as acusações de que está por trás do ataque ao hospital pediátrico. Vassily Nebenzia, embaixador russo, disse que o prédio foi atingido por um míssil lançado por um sistema de defesa aérea norueguês, e que apenas “alvos militares” foram alvejados pelos foguetes vindos da Rússia. Ele ainda sugeriu que a ação foi uma forma usada pelas autoridades ucranianas para “distrair as massas da ilegalidade diária da corrupção do Governo”.
— Eles [governos ocidentais] provavelmente viram muitas análises do que aconteceu em fotos e vídeos, das quais se conclui claramente que se tratava de um míssil da defesa aérea ucraniana — disse Nebenzia. — Aqui você tem a magia da ginástica verbal demonstrada pelos membros ocidentais do Conselho de Segurança, tentando por todos os meios proteger o regime de Kiev.