Uma semana após o desastroso desempenho de Joe Biden no debate com seu rival na campanha à Presidência, Donald Trump, as vozes que defendem sua desistência se multiplicam e se amplificam dentro do Partido Democrata, e até o atual morador da Casa Branca questiona se deve mesmo seguir na disputa. Nesta quarta-feira, ele se encontra com um grupo de governadores democratas e com a vice-presidente, Kamala Harris, em busca de apoio para continuar na disputa, e também de conselhos sobre seus próximos passos, ao mesmo tempo em que garante que estará nas urnas em novembro.
A pauta e os detalhes do encontro — que ocorrerá de forma virtual e presencial — não foram divulgados pela Casa Branca, e a expectativa é de que o presidente tente acalmar os ânimos da cúpula do partido, virtualmente em chamas depois do debate. Na segunda-feira, em uma conversa entre governadores democratas, muitos se disseram surpresos com o silêncio de Biden desde a quinta-feira da semana passada, e citaram que apenas assessores do presidente entraram em contato com eles.
— Eles querem ouvir o próprio presidente falar antes de saírem e arriscarem seus pescoços por ele mais uma vez — disse à CBS News uma pessoa que acompanhou a conversa, que deverá incluir líderes democratas no Congresso.
Mais cedo, Biden e Harris almoçaram e conversaram por telefone com membros do Comitê Nacional do Partido Democrata, e reiteraram que o presidente segue na campanha, e que retornará ainda mais forte depois do debate da semana passada.
— Me deixem dizer isso da forma mais clara possível, e da forma mais simples e direta que puder: eu estou concorrendo, ninguém está me afastando. Não estou desistindo. Estou nessa disputa até o fim, e vamos vencer — disse Biden, de acordo com o site Politico. Ele repetiu os argumentos e a promessa de permanecer na campanha em e-mail enviado a doadores.
Na terça-feira, o deputado Lloyd Doggert, do Texas, foi o primeiro parlamentar democrata a pedir publicamente que Biden abandone a disputa. Um dia depois, Raúl Grijalva, do Arizona, disse que se Biden for indicado vai apoiá-lo, mas sugeriu que é o momento de “olhar para outras possibilidades”, defendendo sua desistência. A Bloomberg revelou que um grupo de deputados democratas considera escrever uma carta pedindo que o presidente desista: eles não temem apenas uma derrota na corrida pela Casa Branca, mas também nas eleições para o Congresso, que renovará toda a Câmara e um terço do Senado.
— Temos que vencer esta disputa, [pela Casa Branca] e temos que manter a Câmara e o Senado — disse Grijalva ao New York Times, afirmando que uma vitória de Trump jogaria “no esgoto” tudo que os democratas fizeram durante o governo Biden.
De acordo com o Washington Post, o ex-presidente Barack Obama tem expressado preocupação com as dificuldades que Biden terá para derrotar Trump após o debate, e chegou a conversar com o democrata na semana passada. Casas de apostas consideram que as chances de desistência hoje superam os 50%.
Segundo o New York Times, o presidente confidenciou a um aliado saber que, caso não consiga passar confiança ao eleitorado, não terá mais chances de recuperação.
— Ele sabe que se tiver dois eventos como esse [o debate], nós estaremos em uma posição bem diferente — afirmou o aliado, em condição de anonimato.
- ‘Doloroso’, ‘desastre’ e ‘ótimo trabalho’: Desempenho de Biden em debate com Trump divide democratas
Outro conselheiro do presidente, também sob anonimato, disse ao jornal que Biden “está ciente do desafio político que ele enfrenta”. A Casa Branca negou as informações.
— O presidente está seguindo adiante com seu governo, está seguindo adiante com sua campanha, e sua campanha tem sido muito clara sobre isso, e esse é o foco do presidente — disse a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre. — Qualquer coisa diferente que estivermos ouvindo ou que tenha sido dito na imprensa é absolutamente falso. Absolutamente falso.
‘Eu não debato tão bem quanto costumava’, diz Biden após duelo com Trump
Em público, Biden creditou o mau desempenho no debate a fatores como cansaço, viagens e uma gripe, e tem intensificado sua agenda de eventos para demonstrar força. Na sexta-feira, ele dará uma entrevista ao canal ABC, a primeira desde o embate com Trump.
— Amigos, eu não ando mais como costumava andar, não falo da forma como falava, não deba…debato tão bem como debatia. Mas eu sei o que fazer, eu sei como contar a verdade — afirmou Biden, em discurso um dia depois do debate, na Carolina do Norte. — Eu sei, eu sei diferenciar o certo do errado. Sei o que é necessário para desempenhar esse trabalho, e sei fazer as coisas. E sei o que milhares de americanos sabem: quando você é derrubado, você se levanta.
No briefing diário à imprensa, Karine Jean-Pierre, ao ser questionada se Biden pensava em desistir, foi enfática:
— Absolutamente não — afirmou, acrescentando que a mensagem vem “diretamente da campanha”. Perguntas similares foram repetidas ao longo do briefing, e receberam a mesma resposta.
Aliados e apoiadores do presidente têm lembrado, de forma recorrente, como a vida de Biden foi marcada pela resiliência e pela capacidade de se recuperar de tragédias: a morte de sua primeira mulher, Neilia, e de sua filha, Ashley, em um acidente de carro em 1977, e a morte de seu filho Beau, visto por muitos como um provável sucessor político, em 2015, moldaram o longevo senador, vice-presidente e presidente. Uma noite ruim, argumentam, seria apenas mais um degrau para alguém acostumado com escadarias.
— Foi um início lento, isso ficou claro para todo mundo, não vou discutir isso — disse Kamala Harris, em entrevista à CNN, pouco depois do debate. — Mas vou falar sobre a escolha em novembro. Estou falando sobre uma das eleições mais importantes de nossas vidas.
Mas o fracasso no debate não foi um episódio isolado: pessoas próximas afirmam que os lapsos são cada vez mais frequentes. Em reportagem, o New York Times disse que o presidente pareceu “congelar” durante a comemoração de um feriado nos EUA, no mês passado, e no dia 18 de junho teve dificuldades ao mencionar o nome do secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, em um discurso — diante dos olhares alarmados da plateia, ele eventualmente conseguiu citar o secretário. Na terça-feira, cometeu mais uma de suas famosas gafes em visita a um centro de operações de emergências em Washington, mais um lapso para uma lista crescente.
— Investimos bilhões para melhorar nossa rede elétrica, expandir a escassez [armazenamento, em inglês são palavras parecidas] de energia para que as luzes, o ar condicionado, a refrigeração e a Internet permaneçam ligados durante ondas de calor, tempestades e outras mudanças climáticas — disse Biden. A correção foi feita apenas na transcrição oficial da Casa Branca.
Segundo pesquisa divulgada nesta quarta-feira pela rede CBS, Trump ampliou a vantagem sobre Biden no cenário nacional e também nos chamados “estados decisivos”, onde não existe uma tendência histórica de votação, e onde a disputa pela Casa Branca deve ser definida.
- Debate Biden x Trump: Após desempenho desastroso, crescem pedidos por outro candidato democrata; é possível?
A idade de Biden foi citada por 69% dos entrevistados como um fator na hora de escolher o candidato — na semana passada, uma pesquisa, também da CBS, mostrou que 72% dos eleitores acreditam que Biden não deve concorrer. Entre os democratas, são 46% dos entrevistados. E para 41%, o presidente não tem condições cognitivas para o cargo, embora os médicos da Casa Branca digam que ele está apto a exercer suas funções.
‘Furacão de Categoria 5’
Na mensagem em que defendeu a desistência de Biden, Lloyd Doggert citou o exemplo de Lyndon Johnson, que abandonou a disputa à reeleição em 1968, em meio a críticas internas sobre a gestão da Guerra do Vietnã, dentre outros fatores. A cerca de seis semanas da convenção que deve (até o momento) confirmar o nome de Biden, democratas já traçam cenários sem o presidente na disputa, e alguns deles assustam.
— Seria um furacão de Categoria 5 — disse à CNN um integrante do Partido Democrata, quando questionado sobre a eventual desistência de Biden. — As pessoas não entendem a escala da destruição que ocorreria.
A hipótese considerada mais simples é Biden apontar Kamala Harris sua sucessora. Em tese, ela já teria o controle e o conhecimento da máquina pública, o apoio dos delegados que votaram em Biden nas primárias e a chance de unir o partido após meses de questionamentos sobre o presidente. Uma pesquisa divulgada pela CNN na terça-feira mostrou Harris dois pontos percentuais atrás de Trump em números nacionais (47% x 45%). Biden tem desvantagem de seis pontos percentuais (49% x 43%). Para 75% dos entrevistados, os democratas teriam mais chances de vencer se escolhessem outro candidato que não o atual presidente.
Mas existe a possibilidade de Kamala, mesmo com o apoio de Biden, ser desafiada em uma convenção aberta, quando o candidato não consegue os votos necessários para a indicação em uma primeira votação, liberando os delegados partidários para escolherem quem acharem mais apto. Além da vice-presidente, a lista é longa, e inclui governadores como Gavin Newsom, da Califórnia, Gretchen Whitmer, do Michigan, e J.B. Pritzker, de IIIinois, que tentariam fechar acordos, em sua maioria a portas fechadas, para garantir uma vaga na eleição presidencial.
Os riscos são elevados: em 1968, após a desistência de Lyndon Jonhson, os democratas protagonizaram uma das mais caóticas convenções da História, que indicou Hubert Humphrey, deixou dezenas de presos e feridos e expôs as fraturas dentro do partido. Meses depois, Humphrey seria derrotado por Richard Nixon.