O presidente da Rússia, Vladimir Putin, chegou na tarde desta terça-feira (madrugada de quarta-feira pelo horário local) a Pyongyang, em uma viagem ventilada desde antes da reeleição do líder russo, em março, mas confirmada apenas um dia antes do embarque. A visita sela uma aliança que se intensificou com o início da guerra na Ucrânia, e que pode ser ampliada através da assinatura de um acordo de cooperação bilateral, e que é alvo de críticas ocidentais.
Putin foi recebido na pista do aeroporto de Pyongyang pelo líder norte-coreano, Kim Jong-un, e após uma rápida conversa, com a ajuda de tradutores, seguiu para um carro oficial que o levou à residência de Kumsusan, onde o líder russo ficará hospedado. Segundo a agência estatal KCNA, ambos ” trocaram opiniões sobre um desenvolvimento mais confiável das relações entre a Coreia do Norte e a Federação Russa, de acordo com as aspirações e vontade comuns dos povos dos dois países. Putin, afirmou a KCNA, “expressou a sua alegria pela sua visita a Pyongyang e profunda gratidão pelo camarada Kim Jong-un ter ido ao aeroporto para o cumprimentar calorosamente”.
Dentro da extensa agenda do presidente russo na cidade, estão previstas homenagens, uma recepção de Estado e um recital de música clássica — contudo, o foco estará no acordo cujos termos ainda não estão claros, mas que, segundo analistas, deve trazer menções à cooperação no setor aeroespacial, armamentista, de saúde e tecnologia. Na véspera da chegada, Putin assinou um decreto dando plenos poderes a seu Gabinete ministerial para terminar de negociar os termos do texto.
Na véspera, o assessor da Presidência russa, Yuri Ushakov, disse que o acordo será “determinado pela profunda evolução da situação geopolítica no mundo e na região, bem como pelas mudanças qualitativas que ocorreram recentemente nas relações bilaterais”, incluindo na diplomacia, economia e nas questões de segurança.
— Ele cumprirá naturalmente todos os princípios fundamentais do direito internacional, não terá qualquer natureza de confronto, não será dirigido contra nenhum país, mas terá como objetivo garantir uma maior estabilidade na região do Nordeste Asiático — disse Ushakov, em entrevista coletiva na véspéra do embarque, citado pela agência Interfax.
Apesar do tema não ter sido levantado por Ushakov, o texto, que será discutido entre Putin e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, nas próximas horas, pode incluir uma cooperação mais ampla no setor aeroespacial, onde há indícios de ações conjuntas em campos como o desenvolvimento de foguetes de transportes de satélites.
Sob pesadas sanções, e de posse de arsenais nucleares (e dos meios para usá-los), Rússia e Coreia do Norte mantiveram relações mornas desde a última visita de Putin ao país, em 2000, e das visitas dos líderes norte-coreanos Kim Jong-il e Kim Jong-un à Rússia. Mas a guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, marcada pelo intenso uso de armamento de combate direto, como munições de artilharia e foguetes de curto alcance, fez com que o Kremlin olhasse com mais atenção para o antigo aliado e para os arsenais armazenados ao longo de décadas de animosidade com o Sul.
Para o Ocidente, em especial a Otan, a aliança militar liderada pelos EUA e que serve de principal linha de apoio a Kiev, essa parceria desperta muitas preocupações. A começar pelo fornecimento de armas norte-coreanas a Moscou, que violaria as sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU, além de medidas unilaterais de Washington e aliados — segundo informações de inteligência, as armas são transportadas através da remota fronteira russo-norte-coreana, e seguem para o front de trem, em um caminho de mais de 10 mil km.
— A visita do presidente russo, Vladimir Putin, à Coreia do Norte confirma os laços estreitos entre estes países, bem como [os seus laços] com a China e o Irã. Também demonstra que a segurança da Otan não é regional, é global — disse o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, durante conversa com jornalistas em Washington. — O que acontece na Europa é importante para a Ásia, e o que acontece na Ásia é importante para a Europa. Não podemos mais dividir a segurança em teatros regionais, tudo está interligado.
Stoltenberg, que deixará o cargo em breve, prometeu anunciar novas parcerias entre a Otan e países como Japão, Coreia do Sul e Austrália, aliados de primeira hora da aliança e que tem prestado, cada um à sua forma, apoio à Ucrânia desde 2022. A Coreia do Sul, por exemplo, se negou a enviar armas para Kiev, mas ao aderir às sanções internacionais contra Moscou foi incluída pelo Kremlin na lista de “países hostis”. A Austrália, por sua vez, enviou equipamentos, armas e munição para os ucranianos, somando 1 bilhão de dólares australianos (R$ 3,6 bilhões) em ajuda financeira, humanitária e militar, de acordo com a Chancelaria australiana.
Mas uma eventual expansão do bloco rumo ao Oriente não é consenso na Otan. No ano passado, antes da reunião de cúpula de Vilnius, na Lituânia, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse ser contra a proposta de criar um escritório de ligação da aliança no Japão, em um gesto que mesmo antes de ser formalizado foi atacado por Pequim, e malvisto até mesmo em Tóquio.
— Não somos a favor, por uma questão de princípio. E pelo que sabemos, as autoridades japonesas disseram que não estão muito animadas com a ideia — disse Macron, em julho de 2023. Ele reiterou que o Tratado do Atlântico Norte estabelece que a aliança é regional, e estabelecida em aspectos geográficos.
Sem citar planos para expandir o raio de ação da Otan para a Ásia e Pacífico, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, disse que fará o possível para barrar o avanço da cooperação militar entre Coreia do Norte e Rússia, citando o impacto dessa parceria na guerra na Ucrânia.
— Vimos a Rússia a tentar desesperadamente desenvolver e reforçar relações com países que lhe possam fornecer o que necessita para continuar a sua guerra de agressão— disse Blinken, citado pela Yonhap. — A Coreia do Norte tem uma quantidade significativa de recursos que a Rússia poderia usar na Ucrânia, eles estão fornecendo munições e outras armas à Rússia.
Blinken cobrou ainda um papel mais ativo da China, hoje principal aliada da Rússia, mas que evita apoiar militarmente Moscou: para o secretário de Estado, “se a China está realmente interessada em acabar com a guerra [na Ucrânia], deveria parar de apoiar a ‘máquina de guerra’ da Rússia”. Pequim não fez comentários sobre a viagem do líder russo, dizendo se tratar de um assunto que diz respeito apenas aos dois países. Ao mesmo tempo, uma delegação chinesa foi para a Coreia do Sul, também nesta terça-feira, para um diálogo em nível vice-ministerial.
— O estabelecimento do mecanismo de diálogo entre a China e a República da Coreia [nome oficial da Coreia do Sul] ocorre dentro da visão sobre a necessidade do desenvolvimento das relações bilaterais, afirmou, em entrevista coletiva na segunda-feira, Lin ian, porta-voz da Chancelaria chinesa, negando qualquer relação entre a viagem e a visita de Putin a Pyongyang. — A China focará na troca de visões com a Coreia do Sul sobre o desenvolvimento e melhora [das relações] e no aprofundamento das trocas e cooperações em vários campos.