O presidente americano, Joe Biden, anunciou nesta terça-feira novas proteções abrangentes para centenas de milhares de imigrantes que vivem há anos de forma irregular nos EUA, mas que são casados com cidadãos americanos. A medida — uma das ações presidenciais mais amplas para amparar imigrantes em mais de uma década — revela a tentativa de Biden de encontrar um equilíbrio em um tema central nas eleições presidenciais tanto para a comunidade imigrante quanto nos estados diretamente afetados pelo fluxo migratório, sobretudo no sul do país. Há duas semanas, o presidente americano anunciou a suspensão de garantias de asilo a quem entrar nos EUA, em um aceno a quem reivindica políticas mais duras na fronteira.
Sob a nova política, cerca de 500 mil cônjuges de cidadãos americanos, bem como seus filhos (estimados em 50 mil enteados de cidadãos americanos), serão protegidos da deportação e terão à disposição formas para a obtenção de cidadania e de vistos de trabalho. Para serem elegíveis, os cônjuges devem comprovar que vivem no país há 10 anos e que já estavam casados antes de 17 de junho deste ano. Eles não podem ter uma ficha criminal.
— Hoje estou anunciando uma solução de bom senso para agilizar o processo de obtenção de status legal para imigrantes casados com cidadãos americanos que moram aqui e moram aqui há muito tempo — disse Biden durante uma cerimônia na Casa Branca para o aniversário de 12 anos da Ação Diferida para Chegadas na Infância (Daca, na sigla em inglês), que protege da deportação as pessoas que vieram para os Estados Unidos quando crianças.
A medida, disse, deve entrar em vigor até o fim do verão (no Hemisfério Norte).
Biden também aproveitou para criticar seu adversário Donald Trump por separar famílias na fronteira EUA-México durante sua gestão e por usar linguagem ofensiva contra imigrantes, afirmando que eles estariam “envenenando o sangue do nosso país”, chamando esses comentários de “ultrajantes”.
— Podemos tanto assegurar a fronteira quanto oferecer caminhos legais para a cidadania. Temos de reconhecer que a paciência e a boa vontade do povo americano estão sendo testadas por seus medos em relação à fronteira. Eles não entendem muito sobre isso. São esses medos que meu predecessor está tentando explorar — disse o democrata, referindo-se a comentários de Trump durante sua campanha para as eleições de novembro.
Embora o casamento com um cidadão americano geralmente ofereça um caminho para a cidadania americana, o processo é particularmente difícil para quem cruzou a fronteira de forma irregular. O processamento, neste caso, dependia do retorno do imigrante ao seu país de origem, onde deveria esperar a resposta sobre o seu visto de residência permanente (o green card), significando longas separações para as famílias. O novo programa vai lhes permitir continuar no país enquanto buscam um status legal.
Os pedidos serão analisados caso a caso. Os aprovados terão três anos para solicitar o green card, período durante o qual poderão se qualificar para uma autorização de trabalho de até três anos. Uma vez obtida a residência permanente, o beneficiário pode solicitar a cidadania.
Veja imagens de abrigo para imigrantes San Antonio, Texas, cidade na linha de frente da onda migratória no sul dos EUA
O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, considerou a decisão um “avanço” e lembrou que seu governo tem insistido “na regularização dos mexicanos que levam anos trabalhando honradamente nos Estados Unidos e não se fez justiça para com eles”. Segundo dados oficiais, 1,39 milhão de imigrantes de 177 países passaram pelo território do México entre janeiro e maio deste ano, com o objetivo de chegar à fronteira com os EUA.
— É uma ótima notícia que vão regularizar famílias de mexicanos nos Estados Unidos, sobretudo os estudantes, os jovens. É digno de reconhecimento — disse López Obrador, em sua coletiva de imprensa diária.
- Guga Chacra: Biden dá guinada anti-imigração
A Casa Branca também planeja acelerar o processo de visto para imigrantes indocumentados altamente qualificados, como os “Dreamers” (ou “Sonhadores”, jovens imigrantes que foram trazidos ilegalmente para o país por seus pais quando eram crianças), que tenham diplomas de universidades dos EUA ou ofertas de emprego na sua área. De acordo com a Casa Branca, a obtenção de vistos de trabalho será facilitada a esse grupo de estudantes, desde que “tenham recebido uma oferta de emprego altamente qualificada”.
As medidas correm duas semanas após o governo emitir uma ordem executiva para deportar rapidamente migrantes ilegais sem processar seus pedidos de asilo quando a fronteira estiver sobrecarregada. Citando o assunto em seu discurso, Biden pediu paciência a quem considerou a medida “muito rigorosa” e prometeu discutir maneiras de tornar o sistema de imigração “mais justo” nas próximas semanas.
Em uma perspectiva eleitoral, o plano de Biden foi apontado por analistas como um fator com potencial de desequilibrar a votação em estados decisivos como Nevada, Arizona e Geórgia, onde mais de 100 mil eleitores em cada um desses estados vivem em famílias de “status misto”, de acordo com a American Business Immigration Coalition, que representa centenas de empresas e apoia a mudança política proposta.
— É a coisa certa e inteligente a fazer — disse a senadora Catherine Cortez Masto, democrata de Nevada, que disse que a ação de Biden impulsionaria a economia em seu estado. — O caminho para a Casa Branca passa por Nevada, e as pessoas no meu estado estão prestando atenção.
A medida também foi descrita como algo que pode ajudar Biden a adotar uma abordagem mais humana aos imigrantes e lidar com consequências negativas que as restrições de asilo suscitaram entre os membros de sua base progressista, que acusaram a Casa Branca de trair as promessas de campanha de 2020.
Quase imediatamente depois de divulgar a reforma, funcionários da Casa Branca começaram a tranquilizar em privado os progressistas de que o presidente também ajudaria os imigrantes em situação irregular que vivem há anos no país, de acordo com pessoas familiarizadas com as conversas.
Aliados do ex-presidente Donald Trump, adversário de Biden nas eleições de novembro, aproveitaram a política para acusar o democrata de ser fraco para garantir a segurança das fronteiras.
— Isto é um ataque à democracia — disse Stephen Miller, o arquiteto da política anti-imigração de Trump, nas redes sociais.
A NumbersUSA, organização que apoia controles mais rigorosos de imigração, chamou a nova política de Biden de “inescrupulosa”. Em comunicado, o CEO, James Massa, acusou Biden de ultrapassar sua autoridade ao “implementar um processo inconstitucional”, contornando os eleitores e o Congresso, e sugeriu que a política envia a mensagem de que a anistia está liberada para quem entra ilegalmente nos EUA. (Com New York Times e AFP.)